21/04/2011

Os usos pedagógicos da audiodescrição

Uma tecnologia assistiva a serviço da inclusão social

 
Lívia Couto Guedes



Lívia Couto Guedes possui  licenciatura plena em pedagogia, com habilitação em administração escolar e mestrado em educação pela Universidade Federal de Pernambuco – Ufpe (2004 e 2007, respectivamente). É estudiosa das questões relacionadas à inclusão social de pessoas com deficiência, com ênfase no enfoque educacional e escolar. É audiodescritora, atuando na promoção de acessibilidade comunicacional para a pessoa cega e com baixa visão por meio da construção e narração de roteiros acessíveis. Atualmente, é professora substituta da Ufpe, lotada no Colégio de Aplicação, no qual leciona a disciplina de pesquisa no ensino fundamental e integra o Serviço de Orientação e Experimentação Pedagógica.

 
Introdução


A despeito de muito já se ter produzido em termos de literatura acerca da inclusão social e das várias práticas que a representam, seja na escola ou em outros lócus, não é exaustivo se defender que a inclusão se efetiva na prática, no fazer cotidiano, na ocupação com as mudanças sociais necessárias, em lugar da mera preocupação, e na crença de que cada pessoa em situação de aprendizagem, seja ela com deficiência ou não, vem requerer de nós educadores um olhar sempre consciente e esvaziado, pronto a preencher-se diante de novos desafios.

            E quando a atenção recai sobre a formação escolar de pessoas com deficiência, o ato de se perceber educador e, portanto, responsável pelo planejamento das possibilidades de inclusão escolar consiste em tarefa permanente, passando a demandar do docente uma atitude que envolve flexibilidade e conhecimento, na busca pela promoção das acessibilidades que conduzirão o educando com deficiência às reais oportunidades de inserção no contexto da escola regular e, a partir dele, na vida social, em prol do melhor desenvolvimento de suas potencialidades.

            Nesse sentido, entendemos como possibilidades reais de inclusão escolar aquelas em que se privilegiam atitudes pedagógicas e relações interpessoais pautadas na ética entre educador e educando. Nas quais se estabelece uma convivência harmoniosa ditada pelo respeito a todas as pessoas, pelo simples fato de serem pessoas humanas.

            Corroborando com essa visão, Almeida (2004, p.82) defende que uma prática docente pautada pelo respeito ao educando pressupõe:



§ aceitá-lo no ponto em que está, o que significa conhecê-lo em sua etapa de formação e conhecer os meios em que se desenvolve;

§ não impor limites a seu desenvolvimento;

§ oferecer outros meios e grupos para que ele possa desenvolver suas ações;

§ aceitar que a educação é uma relação evolutiva, que vai se transformando e tende para a autonomia, para o ponto em que o aluno não precisa mais do professor.



Assim, entendemos que o educador comprometido com uma prática inclusiva, que respeita e valoriza seus educandos e, consequentemente, suas características humanas, faz da ação docente uma busca constante pela promoção das acessibilidades que diluirão as possíveis barreiras limitantes ou impeditivas do pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência.

Na busca pela promoção dessas acessibilidades, torna-se, pois, fundamental pensar a prática pedagógica a partir da perspectiva do desenho universal, com base no qual o educador inclusivo atenta para a construção e execução de propostas educacionais que considerem as demandas da diversidade humana como justificativas suficientes para a utilização de recursos e serviços alinhados com as necessidades de seu público.

Com o propósito de instrumentalizar o docente no sentido de respeitar os educandos com deficiência, oferecendo-lhes situações de aprendizagem que verdadeiramente reflitam a adoção de práticas e atitudes inclusivas, acreditamos que o educador deve incorporar ao seu fazer pedagógico o uso de tecnologias assistivas.

De acordo com Bersch e Tonolli (www.bengalalegal.com/tecnol-a.php), considera-se tecnologia assistiva:



[ ] todo o arsenal de Recursos e Serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e, consequentemente, promover Vida Independente e Inclusão.

É também definida como “uma ampla gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas concebidas e aplicadas para minorar os problemas encontrados pelos indivíduos com deficiências”.



            Nesse ponto, cabe ressaltar que a escolha e a utilização de tecnologias assistivas por parte do educador inclusivo devem ser compreendidas como potencializadoras da ação da pessoa com deficiência, configurando-se muito mais como uma ajuda técnica que atuará como recurso ou serviço adicional, em prol da equiparação da igualdade.

Em outras palavras, significa dizer que, ao se promover o uso de tecnologias assistivas no contexto social ou escolar, a partir do uso de tais tecnologias, a pessoa com deficiência poderá executar tarefas, acessar informações, transitar pelos ambientes etc., sem necessitar arcar com os possíveis prejuízos oriundos da presença de barreiras.



A audiodescrição como tecnologia assistiva



            Surge, então, no cenário da tecnologia assistiva, a audiodescrição, que se constitui como um serviço especializado capaz de promover a acessibilidade comunicacional de pessoas cegas e com baixa visão, além de contribuir para o acesso à informação de pessoas disléxicas ou que apresentem outros tipos de transtornos relacionados à leitura.

            A audiodescrição transita, pois, pelo viés da comunicação, assumindo o papel de transmissora de informações que, inicialmente, estariam disponíveis apenas no plano visual, a exemplo de imagens estáticas (tais como fotografias), cenas dinâmicas (veiculadas no cinema, TV ou teatro), além de textos e legendas impressas.

Nas palavras de Mota (http://www.bancodeescola.com/audiodescr.htm), a audiodescrição consiste na “(...) arte de transformar aquilo que é visto no que é ouvido”.

Para Lara e Graciela Pozzobon (http://audiodescricao.com.br/ad/o-que-e-audiodescricao):



O recurso consiste na descrição clara e objetiva de todas as informações que compreendemos visualmente e que não estão contidas nos diálogos, como, por exemplo, expressões faciais e corporais que comuniquem algo, informações sobre o ambiente, figurinos, efeitos especiais, mudanças de tempo e espaço, além da leitura de créditos, títulos e qualquer informação escrita na tela.



Consoante a Portaria n. 310/2006, a audiodescrição é definida como:



[ ] uma locução, em língua portuguesa, sobreposta ao som original do programa, destinada a descrever imagens, sons, textos e demais informações que não poderiam ser percebidos ou compreendidos por pessoas com deficiência visual.



            Ainda consoante Mota (www.bancodeescola.com/audiodescr.htm), as raízes históricas da audiodescrição remontam à década de 1970, nos Estados Unidos, quando o norte-americano Gregory Frazier desenvolveu estudos que ajudaram a impulsionar a experimentação da técnica no teatro, estendendo-se à Europa e chegando a alcançar o continente asiático, já direcionada a seriados de TV e ao próprio cinema. Há, no entanto, registros que conferem à dra. Margareth Phantiehl e ao seu marido o crédito pela invenção do serviço de audiodescrição, no ano de 1981.

Já no Brasil, a utilização da técnica é recente, podendo ser encontrada primeiramente no cinema, com a exibição do filme “Irmãos de Fé”, no circuito comercial, em 2005. Porém, desde 2003, o festival internacional de filmes sobre deficiência “Assim Vivemos” vem exibindo filmes audiodescritos.



Os usos pedagógicos da audiodescrição



Nosso interesse, no entanto, reside em situar a audiodescrição tomando por base o seu potencial pedagógico, na condição de técnica ou serviço de promoção da acessibilidade capaz de permitir ao educador inclusivo, nas mais variadas situações didáticas desenvolvidas no cotidiano escolar, a construção e narração de roteiros audiodescritos que possam ilustrar e enriquecer o processo de ensino/aprendizagem, ao passo que beneficia o educador no planejamento de aulas inclusivas, voltadas à diversidade dos alunos, e favorece os próprios educandos, usuários do recurso.

Para Guedes et al. (http://www.vezdavoz.com.br/2vrs/noticiasview.php?id=86), o uso da audiodescrição no contexto pedagógico também permite às pessoas disléxicas uma melhor absorção de informações e conhecimentos, uma vez que as dificuldades relacionadas à leitura, escrita e soletração advindas da dislexia estariam sendo dribladas em virtude da utilização do recurso sonoro, o que facilitaria o entendimento das informações contidas nos textos, a partir de sua escuta.

            Com o propósito de desvelar a potencialidade pedagógica da audiodescrição, os autores apontam, ainda, algumas ações que podem ser empreendidas pelos professores da educação básica e replicadas nos demais níveis de escolarização formal, no sentido de se promover a acessibilidade comunicacional que conduzirá os educandos com deficiência à desejada inclusão escolar.

            Com ações que envolvem não só o professor, mas também toda a escola e a comunidade escolar, os educandos com e sem deficiência serão formados com a perspectiva da inclusão social, ou seja; tendo respeitados os seus direitos de acesso ao conhecimento formal, à cultura, aos espaços físicos e também à própria liberdade de expressão e empoderamento, mobilizadores da autonomia e independência.

            Assim, mediante utilização da audiodescrição como ferramenta de cunho pedagógico, os educadores inclusivos poderão:



- minimizar ou eliminar as barreiras presentes nos meios de comunicação que se interponham ao acesso à educação, tais como aquelas presentes no acesso a materiais bibliográficos;

- proporcionar que alunos com deficiência visual, com dislexia e outros tenham acesso aos conteúdos escolares, no mesmo tempo em que o restante da turma;

- permitir que todas as ilustrações, imagens, figuras, mapas, desenhos e demais configurações bidimensionais, presentes nos livros didáticos, fichas de exercícios, provas, comunicados aos pais, cartazes, circulares internas etc. também sejam disponibilizados em audiodescrição;

- zelar pela autonomia, empoderamento e independência dos alunos com deficiência visual e outros usuários do recurso;

- atentar para a descrição de objetos que fazem parte do cotidiano escolar, como a disposição do mobiliário da sala de aula, da planta baixa da escola, da distribuição do acervo na biblioteca, dos espaços de recreação e outros ambientes e produtos de uso comum etc.;

- perceber a transversalidade do recurso, por exemplo, ao estimular que, com uso de uma atividade coletiva de audiodescrição, durante uma aula de matemática ou de ciências, os alunos possam desenvolver descrições por escrito, de tal sorte que as informações ali contidas possam ser aproveitadas nas aulas de língua portuguesa;

- considerar a importância de democratizar as informações e conhecimentos construídos em sala de aula para toda a comunidade escolar, oferecendo aquele recurso em exposições, mostras, feiras de ciências, apresentações, reuniões de pais e mestres, encontros pedagógicos, aulas de reforço escolar, excursões temáticas, jogos e olimpíadas esportivas, exibição de filmes e nos demais encontros e atividades cuja educação seja o foco;

- reforçar o respeito pela diversidade humana, praticando e divulgando ações de cunho acessível entre os alunos com e sem deficiência;

- atrair parceiros que possam financiar projetos de acessibilidade na escola e a partir dela;

- criar programas e projetos de voluntariado e monitoria que envolvam o público interno da instituição e a comunidade escolar, a fim de capacitar os interessados na temática da audiodescrição e levar adiante outras iniciativas de acessibilidade;

- promover encontros de formação, reflexão e sensibilização sobre a inclusão social das pessoas com deficiência para professores, funcionários, gestores, alunos e comunidade, fortalecendo a máxima de que a inclusão só poderá ser construída por intermédio da perpetuação de práticas acessíveis, ou seja, a partir da eliminação de barreiras, tais como as atitudinais e aquelas presentes nos meios de comunicação.

(Em http://www.vezdavoz.com.br/2vrs/noticiasview.php?id=86).



            Cientes de que a tarefa de educar na perspectiva inclusiva exige, antes de tudo, a crença irrestrita na capacidade humana de aprender sempre, ainda que em ritmos e de maneiras diferentes, acreditamos que todo educador, atuando em qualquer modalidade da educação básica, seja capaz de incorporar à sua prática docente a utilização de tecnologias assistivas.

            E, sendo a audiodescrição uma dessas tecnologias, conclamamos a todos os educadores comprometidos com a proposta de educar pessoas, independentemente de rótulos ou estigmas, a estudar a sério o potencial dessa enriquecedora ferramenta pedagógica, na certeza de que os lucros advindos desse investimento, para além do enriquecimento na própria formação docente, também implicarão a resposta positiva dos educandos com deficiência, incluídos e verdadeiramente atuantes.

             

Referências
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Wallon e a Educação. In MAHONEY, Abigail Alvarenga et. alli. Henri Wallon: Psicologia e Educação. 4.ed. São Paulo: Loyola, 2004.
BERSCH, Rita & TONOLLI, José Carlos. Introdução ao conceito de Tecnologia Assistiva. Disponível em: < http://www.bengalalegal.com/tecnol-a.php>. Acesso em: mai.2010.

MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello. Audiodescrição - recurso de acessibilidade de inclusão cultural. Disponível em: . Acesso em: mai.2010.

POZZOBON, Graciela & POZZOBON, Lara. Audiodescrição. Disponível em: . Acesso em: out.2009.

BRASIL. Portaria 310. 2006. Disponível em: . Acesso em: out.2009.

GUEDES, Lívia Couto, GUEDES, Marcelo Couto & LIMA, Francisco José de. Audiodescrição: Orientações para uma Prática sem Barreiras Atitudinais. Disponível em: . Acesso em: mai.2010.

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